terça-feira, 4 de outubro de 2011

O Olhar Inocente

Você já parou para observar a maneira como olhamos para algo que está diante de nós? Em outras palavras, você algum dia já observou a sua própria maneira de observar? Talvez você não tenha notado, mas o nosso olhar sobre as coisas, sobre qualquer coisa, já se encontra bastante poluído, bastante contaminado e é nossa própria mente que contamina nosso olhar, com conceitos, julgamentos, memórias, lembranças.

Por exemplo, quando olhamos para um objeto longo e comprido, mais ou menos torto, que sai do chão e segue para o alto e possui na parte de cima, pequenos pedaços de coisas verdes e às vezes pequenas coisas coloridas, nós pensamos: ah é uma árvore! Perceba que nesse momento não há mais visão. Entra em cena a nossa memória, o nosso conceito, tudo o que aprendemos sobre aquilo, o nome, se é bom ou ruim, perigoso ou não, para que serve etc. Em outras palavras a mente entra, interferindo no simples ato de observar.

Tudo bem, mas o que isso tem a ver com o Tantra? O que isso tem a ver com meditação afinal? Muita coisa! Um dos temas mais importantes do Tantra é o olhar inocente, mas o que isso quer dizer? Se olharmos uma pessoa dançando e pulando no meio de uma rua agitada, de terno e gravata, pensamos logo em algumas possibilidades: deve ser louco! Deve estar em alguma crise psiquiátrica, porque isso não é normal. Deve ser alguma publicidade, devem estar filmando alguma pegadinha! Ninguém irá pensar que o homem está simplesmente feliz e por isso está dançando, ou que está tocando uma música muito boa no fone de ouvido.

Se avistarmos uma mulher de topless na praia, imediatamente acharemos aquilo uma pouca vergonha, até porque tem crianças por perto! Ou iremos nos excitar e dizer animados, legal isso, olha que espetáculo! Porém, certamente poucas pessoas irão olhar e dizer: Nada demais, é só um peito! Nosso olhar está o tempo todo impregnado pela nossa moral, pelos nossos códigos internos, nossos julgamentos de certo e errado.

O que trabalhamos no Tantra é tentar olhar as coisas como elas são e não como a nossa mente diz que aquilo deve ser. É como olhar algo pela primeira vez, sem nenhum conceito por detrás, sem nenhum julgamento, sem memória do que aquilo representa para nós. E estar nesse estado é estar em meditação. Experimente isso, saia de casa um dia e caminhe sem pressa e sem objetivo, observe tudo como se fosse a primeira vez. Você não sabe o nome das coisas, você não sabe para que serve, apenas observe tudo e aceite tudo em um estado de Não Mente, de pura percepção, de puro sensorial, sem o estado mental interferir.

É nesse sentido que o Tantra lida com todos os aspectos na meditação, se há raiva, acolha, observe apenas, não julgue, não entre com a mente no processo, fico com isso. Se há sexualidade, não pense em termos de bom ou ruim, de certo ou errado, não pense em termos de luxúria, vá além disso, perceba apenas, olhe para isso de forma inocente, é você que deve descobrir o que é, deixe de lado o que te ensinaram sobre isso. Mova-se meditativamente por tudo o que surgir, não importa o que seja, transforme tudo em meditação.

Essa é a atitude mais revolucionária do Tantra e o que o torna um caminho tão especial e tão único. É nesse sentido tântrico que podemos interpretar as passagens de Jesus quando ele diz: "Deixai vir a mim os pequeninos, não os embaraceis, porque dos tais é o reino de Deus". (Marcos 10:14). Ou de forma ainda mais explícita na passagem: "Em verdade vos digo: Quem não receber o reino de Deus como uma criança, de maneira nenhuma entrará nele" (Marcos 10:15). Você já observou o olhar de uma criança ao manipular um brinquedo? É um olhar vivo, puro, sem conceitos. A mente não está ali para interferir e dizer: ah, isso é só um carrinho vermelho de fricção importado da Argentina. A mente não está ali porque ainda está sendo construída, ainda estão nos programando e quando o programa estiver pronto diremos: é só um carrinho.

Diante disso, podemos reescrever a frase de Jesus e dizer de forma semelhante: “quem não receber o Tantra como uma criança, não irá compreender este caminho”.

O Sentido do Tantra

O sentido do Tantra

Em nossos caminhos espirituais, muitos já devem conhecer algo sobre o Tantra. Em livrarias, artigos ou até mesmo em bancas de jornal, o tantra tem sido divulgado entre nós de forma cada vez mais rápida e diversificada, inclusive em inúmeras comunidades no Orkut, sites, cursos, workshops, etc.

Um fator que deve ser motivo de nossa preocupação é a qualidade e fidelidade dessas informações, se estão ou não preservadas em sua essência, se estão ou não baseadas nos ensinamentos tântricos de mestres como Tilopa, Naropa, Saraha, Gorak, Milarepa, etc. Não é raro lermos matérias e artigos com chamadas do tipo, descubra os segredos do orgasmo tântrico, seduza o seu parceiro através do tantra, tenha mais orgasmos! Será que é isso que esses honoráveis mestres espirituais propunham através do Tantra?

Parece que para evitar essas distorções, esses mal-entendidos, esses mesmos mestres e muitos outros, ensinavam secretamente o Tantra, que passou a ser conhecido como veículo secreto, dharma secreto ou modo de vida secreto, pois de alguma forma sabiam que a compreensão errada, a prática mal entendida em suas bases, poderia ser mais prejudicial do que benéfica.

Mas afinal, o que há de secreto no tantra? Porque no ocidente passou a ser sinônimo de sexo? O que queriam evitar quando o denominaram de modo de vida secreto? Há algum perigo em suas práticas? Entender essas questões é primordial para entendermos o próprio sentido do tantrismo. Para tal, devemos nos recordar, que o tantra é uma tradição espiritual, um conjunto de conhecimentos e práticas profundamente enraizados na meditação, que se propoem a nos conduzir a um estado além do desejo, além do círculo de sofrimentos causado pelo apego aos prazeres sensoriais e não a um reforço do prazer através do desempenho de qualquer espécie.

Entretanto, o que diferencia o tantra das demais tradições e o que o torna exclusivo e tido como um caminho elevado para a iluminação é justamente o uso do “veneno” como o antídoto do próprio “veneno”, isto é, penetrar em nossa própria ilusão para superar a ilusão, penetrar em nosso próprio desejo, para superar o desejo. Esta é a chave principal do tantra: permitir entrar na sexualidade, de forma consciente e contemplativa, para ir além das próprias amarras do sexual, se permitir adentrar na raiva, para superar as ilusões da raiva. Isto é, só iremos transcender algo, se pudermos vivenciar esse algo de forma plena, consciente e meditativa. Em leu livro, O Mundo do Budismo Tibetano, encontramos a seguinte exposição do atual Dalai Lama:

(...) Portanto, num sentido, podemos dizer que é a própria ilusão – na forma da sabedoria derivada da ilusão – que efetivamente distrói as ilusões, pois é essa bem-aventurada experiência da Vacuidade, induzida pelo desejo sexual, que dissolve a força dos impulsos sexuais... Essa utilização das ilusões, como parte integrante do caminho da iluminação, é uma característica exclusiva doTantra”. (p.142)

Outra característica importante do Tantra é ser considerado um método que lida com características femininas, como a sensibilidade, a percepção, a intuição, o relaxamento, em contraponto com as tradições e sistemas eminentemente masculinos, que lidam com a resistência, o esforço, a superação, a ação. Quanto a isso, o mestre indiano Osho, compara as tradições tântricas com a tradição do yoga e afirma serem tradições não só diferentes, como até mesmo opostas. Enquanto o yoga é uma tradição masculina, yang, solar, onde o praticante é estimulado através do esforço e da ação a superar a si mesmo, superar a dor, aprimorar a postura e a resistência, o tantra é uma tradição feminina, yin, lunar, onde se trabalha a capacidade de relaxamento, de prazer, de seguir nossa natureza de forma meditativa e não lutar contra ela.