domingo, 28 de agosto de 2011

Os três níveis da prática tântrica

O tantra é uma prática ou um caminho espiritual muito mal compreendido e frequentemente associado apenas ao prazer e ao sexo. Isso, claro, afasta as pessoas que querem realmente conhecer a si próprias, conhecer o seu potencial para se relacionar com os outros e ter um contato com o sagrado na prática. Vamos partir do que já foi visto e conhecer agora os três níveis de atuação do tantra: o psicológico, o energético e o espiritual.

No nível psicológico, o contato com o tantra começa a nos fazer questionar uma série de coisas que até então estávamos “programados” a aceitar como uma verdade, como algo socialmente aceito e que nem sequer percebíamos ser relativo, cultural ou imposto pela nossa educação, moral, religião, etc. Porque eu tenho vergonha de certas partes do meu corpo? Será que se eu for mais espontâneo e natural, vou parecer infantil perante os outros? Porque eu tenho medo das coisas que eu gosto? O que me satisfaz realmente? Porque eu não tenho coragem de ser eu mesmo? Porque certas coisas são ditas pecados ou proibidas? Ainda no nível psicológico o tantra nos encoraja a desaprender certas “verdades” e desconstruir nosso falso Eu, experimentando ir um pouco mais além de nossas convicções, argumentos, teorias e ir além da mente.

No nível energético, o tantra nos coloca diretamente em contato com o nosso corpo e com a energia que circula nele. Sentir e estar consciente da energia do medo, da raiva, da excitação, do desejo, por onde essas energias circulam no corpo, onde se encontram os bloqueios que travam a emoção e impedem o fluxo, etc. A respiração é uma chave importante nos trabalhos de nível energético. Em grupos de tantra, essas áreas são exploradas em exercícios de respiração, bioenergética e até alongamentos e consciência corporal. Em um nível ainda mais sutil, o tantra atua nos conhecidos chakras ou plexos de energia da anatomia sutil, trabalha a energia vital, conhecida como kundalini e é responsável em um nível avançado pelos siddhis ou poderes que os praticantes do alto grau (santos, sadhus ou siddhas) podem obter, como sair do corpo, controlar o calor e o frio corporal e outras atividades de total consciência das energias sutis.

Por fim, no nível espiritual e em conjunto com os outros dois níveis, a experiência com o tantra, após nos conduzir à liberdade dos domínios mentais (psicológico), desobstruir, purificar e transmutar nossas energias mais básicas (nível energético) nos conduz ao estado êxtase espiritual (Ananda), de paz e liberdade, de quem transcendeu a ilusão da dualidade e atingiu o estado de iluminação. Claro que isso é o ápice não só do tantra como do Yoga e dos diversos ramos do budismo. Entretanto, mesmo em nível inicial é possível perceber a atuação do nível espiritual do tantra, quando através da meditação, individual ou em pares, se percebe o sagrado no encontro com o outro, o amor e o respeito pelo colega de prática e a transformação do que antes era grosseiro, em amor e transcendência.

As distorções do Tantra

Ouvimos dizer que Yoga é excelente para problemas de coluna, para melhorar a postura e o tônus muscular, não é mesmo? Além de ser uma excelente atividade física, o Yoga também é recomendado para o stress, para Síndrome do Pânico e outros problemas como a ansiedade, pois trabalha a respiração, relaxa e ajuda a concentração, além de trazer alívio para a dor proveniente de artrites, artroses, etc. Não está certo?

E sobre o Tantra? O que ouvimos falar sobre o Tantra? Quem já ouviu falar do Tantra jura que é ótimo para apimentar a relação a dois. Pode aumentar o prazer na hora do sexo, permite ao homem ter orgasmos sem ejacular, não é incrível? Aumenta o seu poder de sedução, o conhecimento do seu corpo, torna você mais sensual. Tem até promoção de cursos de tantra para o dia dos namorados. Surpreenda o seu companheiro!

Pois lamento informar ao leitor que não é bem assim. Alias, não é nada assim! Esse tipo de visão, que temos aqui no ocidente, sobre Yoga e sobre Tantra, é a visão de um entendimento superficial, materialista e consumista, para não dizer comercial e imediatista, que é típico de nossa cultura. Nossa moderna cultura ocidental, ao se deparar com importantes tradições sagradas e religiosas do oriente, ocidentaliza essas tradições e as convertem em terapias alternativas, medicina alternativa ou zen para o corpo e a mente do ocupado homem moderno, que lê sobre elas na banca de jornal e as experimenta no pacote da academia.

É preciso que a gente compreenda em primeiro lugar, que o Tantra e o Yoga são caminhos espirituais! São duas das mais antigas religiões da humanidade! A palavra Religião vem do latim Religare, ou seja, o objetivo ou o esforço dessas tradições é Re-ligar ou Re-unir em você, aquilo que estava separado ou distante. Reaproximar você de seu corpo, religar ou reunir o corpo (perceber), a mente (pensar) e a alma (sentir), reunir suas partes e lhe tornar mais inteiro.  E você sabe o que significa a palavra Yoga na antiga linguagem da Índia? Significa justamente unir, reunir, religar. Tantra significaria aquilo que expande a consciência.

Infelizmente, o que é divulgado sobre Tantra e Yoga entre nós é tão pobre, tão distorcido, que muitas vezes, um praticante tradicional Indiano nem as reconheceria como algo autêntico. É uma mistura de verdades com meias verdade e equívocos, que afastam cada vez mais essas tradições do seu sentido original, inicial, tal como foi ensinado pelos antigos mestres da linhagem e chegam até nós, irreconhecíveis.

Nós inventamos o Power Yoga e espalhamos o Yoga nas academias, junto com Boxe ou Jiu Jitsu e Hidroginástica em excelentes pacotes promocionais. Já tentaram até proibir imagens de Shiva ou Ganesha nas aulas de Yoga para não associar Yoga a essa coisa de religião e assim poder vender mais e melhor! Incrível, mas é verdade! Querem destituir o Yoga e o Tantra de sua prática simbólica e espiritual.

O Tantra virou mesma coisa que sexo tântrico, uma espécie de sexo com incenso, velas e uma musiquinha new age tranquila tocando baixinho no som. Parece que todos se esqueceram de que o objetivo do tantra é a iluminação, é se livrar de vez dos apegos e das amarras da sexualidade, para te tornar cada vez menos “sexual” e cada vez mais livre e consciente. Mas isso não vende muito não é? Isso não é muito pop!

O Yoga virou definitivamente uma fisioterapia esotérica. Ninguém menciona o desapego, a renúncia, a verdadeira meditação e o caminho da iluminação. Não, mas dizem que é bom para a circulação, alonga os músculos, amplia a capacidade pulmonar e a resistência física. Os cursos de tantra mais badalados no momento e os atendimentos mais requisitados são os de massagem tântrica e massagem linghan (pênis) e massagem yoni (vagina), claro que destituídos do ritual sagrado para apimentar a relação e ter muito prazer.

Em resumo, Tantra e Yoga são tradições sagradas, são caminhos espirituais bastante complexos e profundos e reduzi-los a benefícios imediatos de saúde física, prazer sensual e bem estar mental é profanar essas tradições, é desrespeitar os mestres do Yoga e do Tantra como Patanjali, Tilopa, Ramakrishna, Saraha, etc. Busquem o ensinamento verdadeiro dessas tradições, pesquisem em lugares comprometidos com o crescimento espiritual e não vamos deixar que o Yoga e o Tantra sejam entendidos apenas como exercícios físicos alternativos e práticas sensuais para aumentar o prazer e nos prender ainda mais no Samsara.